segunda-feira, maio 29, 2006

Engano

Foto Alípio Padilha

Não é dor que sinto
Nem vazio
Nem saudades
É o conhecimento de tudo
A falência, meu engano.

Máscaras caídas
Faces sem reflexos
Dissimulações
Mentiras mascando sonhos
Apodrecendo sentimentos

Certo desconforto de existir
Na vida sem contorno
Medo da solidão
e o fascínio
do cinza e seu silêncio
Onde aquieto pensamentos
E não semeio ilusões

sexta-feira, maio 26, 2006

Janelas

Resignação - Alípio Padilha

Sou míope, muito míope
Procuro a nitidez das coisas simples
no canto das memórias felizes.

Ordeno meus pensamentos nus
Aquém das palavras
em gestação

Escancaro na alma a janela
Recolho,
carinho-menino
que de outra janela,
avista cores da alegria
de quem não quer mais chorar

Embriagando minh’alma
Seu doce sorriso louva
(em)sina

Ter prazer.
Engolir medos.

(Para meu grande amigo e cuidador Renato Torres)

domingo, maio 21, 2006

Ampulheta


sweetcharade - INpulsa

Amanheço e entardeço
Arando lembranças
Para vencer o tédio

Acolho a noite
e despeço do dia
Que o tempo recria
e deforma.

Tempo que me rasga a pele
Sem a calma do aceno
Acúmulo de vivência
Encapsula tristeza e frustrações

É tudo tão tarde...
Sem o tempo do saber
Minha poesia expele
a ferida inflamada dentro de mim
Só os meus sonhos não envelhecem

quinta-feira, maio 18, 2006

Prazer

Eramos Duas... E Voávamos! - Jaqueline Sturm

Resolvi estuprar a vida
Abusa-la
antes do tédio
Gozar meu próprio eu
Sem mentira
sem vergonha
Sem paixão
sem alma
Sentir no prazer o ser
Sem o desespero da ausência
Estuprar com a língua fálica
Todos os pedidos de silêncio

Cansaço


Emaranhados pensamentos
Tecem minha solidão
Sou livre e triste
E nas sensações inúteis
Vivo meu cansaço de ser

Mal_bem precioso


Terra nua obsessiva
tem na calma teu encanto
Busca alegria diária
revolvendo lembranças
cultivando saudades
no peito amarrotado
Altiva rega tristeza
com a alegria que escorre
no teu sorriso largo
Na inquietude da alma
brotam sonhos hipnóticos
implorando o abandono da solidão

segunda-feira, maio 01, 2006

O menino e a bola


Logo que o menino entrou em casa, encontrou-me no centro da sala. Eu que sou um simples brinquedo: Uma bola esperando companhia. O menino estremeceu de alegria, com os olhos extasiados de quem descobria um tesouro. Mal sabia que também eu, uma bola como qualquer outra, olhava fascinada o seu contentamento. Ambos enfeitiçados pela descoberta.

Com o tempo, veio o grande prazer da companhia. Precisávamos estar juntos, desvendando nossos mundos e nossos muros. Eu, com curiosidade e deslumbramento, ouvi todas as histórias fascinantes que o menino contava ao meu lado. Ouvi seus sonhos, segredos, medos, certezas e dúvidas.

Meu amor pelo menino crescia e mal cabia dentro de mim.. Êxtase da união total e cheia de sentido, aumentava meu tamanho da mesma forma que alimentava meus sonhos. Falávamos e ríamos, transbordando felicidade. Amei e entreguei-me ao menino. Quisera ser uma bola diferente, um querer que me fazia chorar. Confessei meus segredos, minha vontade de liberdade, de brincar nos campos, enfrentar desafios e conhecer vitórias.

O menino, intimamente ligado à minha transformação, regava-me com palavras, músicas e pensamentos doces. Eu crescia a cada momento, com um desejo febril, violento e impulsivo. Na ansiedade de perdurar, gritei o medo de uma separação. Minha forma irregular transformou-se em palavras desacertadas. Não o feri propositalmente, queria dividir todo amor que carregava, a felicidade de estar presente e o receio da ausência. O menino não entendeu a intensidade dos meus sentimentos. Sentiu-se sufocado entre mim e a parede, e foi-se embora. Ficou a tristeza da incompreensão. A amargura de não existir e redescobrir-me só um brinquedo. Triste e pensativa mingüei desprezada.