Logo que o menino entrou em casa, encontrou-me no centro da sala. Eu que sou um simples brinquedo: Uma bola esperando companhia. O menino estremeceu de alegria, com os olhos extasiados de quem descobria um tesouro. Mal sabia que também eu, uma bola como qualquer outra, olhava fascinada o seu contentamento. Ambos enfeitiçados pela descoberta.
Com o tempo, veio o grande prazer da companhia. Precisávamos estar juntos, desvendando nossos mundos e nossos muros. Eu, com curiosidade e deslumbramento, ouvi todas as histórias fascinantes que o menino contava ao meu lado. Ouvi seus sonhos, segredos, medos, certezas e dúvidas.
Meu amor pelo menino crescia e mal cabia dentro de mim.. Êxtase da união total e cheia de sentido, aumentava meu tamanho da mesma forma que alimentava meus sonhos. Falávamos e ríamos, transbordando felicidade. Amei e entreguei-me ao menino. Quisera ser uma bola diferente, um querer que me fazia chorar. Confessei meus segredos, minha vontade de liberdade, de brincar nos campos, enfrentar desafios e conhecer vitórias.
O menino, intimamente ligado à minha transformação, regava-me com palavras, músicas e pensamentos doces. Eu crescia a cada momento, com um desejo febril, violento e impulsivo. Na ansiedade de perdurar, gritei o medo de uma separação. Minha forma irregular transformou-se em palavras desacertadas. Não o feri propositalmente, queria dividir todo amor que carregava, a felicidade de estar presente e o receio da ausência. O menino não entendeu a intensidade dos meus sentimentos. Sentiu-se sufocado entre mim e a parede, e foi-se embora. Ficou a tristeza da incompreensão. A amargura de não existir e redescobrir-me só um brinquedo. Triste e pensativa mingüei desprezada.